O ÁLBUM QUE INOVOU A MÚSICA BRASILEIRA

Publicado em

às

por

Modificado em

às

O ano de 1968 como diz Zuenir Ventura, não acabou, isso porque os fatos que nele ocorreram estão até hoje por aí sendo estudados e referenciados, pois são de um significado tão grande que ainda não foram de todo mensurados. Entre os inúmeros acontecimentos marcantes daquele ano temos a revolta dos estudantes em Paris, a passeata dos cem mil no Rio de Janeiro liderada por artistas e intelectuais, a decretação do AI 5 e o lançamento do LP “Tropicália ou Panis et Circenses”, síntese de um movimento musical revolucionário que iria mexer com a cabeça de muita gente. maxresdefault (1).jpg

Liderando a Tropicália estavam os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, artistas e militantes culturais que iriam modificar a estética da nossa canção e propor uma discussão que teria como fonte inspiradora outro grande movimento cultural, a Semana de Arte Moderna de 1922. Vivíamos um período de profundas transformações e a juventude tomava as rédeas dessas mudanças, no campo musical o som mais ouvido daquele ano era um álbum gravado em meados de 1967 que estava fazendo muito sucesso pela sua concepção inovadora de não ter interrupção entre as faixas, simular efeitos sonoros de gravação ao vivo e incluir ainda citára, violino, orquestra e em algumas canções arranjos psicodélicos, tratava-se Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, um dos discos mais importantes de todos os tempos.

O Brasil respirava o clima dos festivais e sentia uma forte pressão da ditadura que tentava a todo custo calar a voz dissonante dos jovens que lhe faziam oposição, nesse contexto a rebeldia tropicalista tomava corpo e tornava-se o assunto mais badalado da época, faltava apenas o seu manifesto oficial que amadurecia a cada instante, e que viria se materializar na gravação de um disco, que além de Caetano, Gil, Gal Costa e Tom Zé, contava ainda com as participações especiais de Nara Leão e dos Mutantes.

Com produção de Manoel Berenbein e arranjos do maestro Rogério Duprat, incluía tiros de canhões, em “Coração materno”, de Vicente Celestino, interpretada por Caetano Veloso, faixas ininterruptas, simulação de um jantar ao vivo em “Panis et circenses” e sons de rua em “Geléia geral”, demonstrando nesses aspectos que o disco recebia forte influencia do trabalho dos Beatles. Seu repertório tinha por objetivo sintetizar o pensamento dos artistas tropicalistas e também do próprio movimento como um todo.

Gravado em maio de 1968 o LP trazia doze faixas, destacando-se “Parque industrial”, de Tom Zé, título herdado de um livro de Patrícia Galvão, a Pagu, líder comunista e agitadora cultural nos anos vinte e trinta, onde temos um retrato bem satírico do Brasil, misturando, bandeirolas no quintal; céu de anil; aeromoças; jornal popular que não se espreme porque pode derramar; a lista dos pecados da vedete e o bordão “made in Brazil”. Ao lado de “Geléia geral”, de Gilberto Gil e Torquato Neto, formavam as Músicas mais panfletárias do disco, sendo que esta última retrata o Brasil de forma alegórica, onde não faltam um bumba-iê-iê-boi; Mangueira onde o samba é mais puro; Pindorama, país do futuro; as relíquias do Brasil dentre outras representadas por uma doce mulata malvada e até um LP de Sinatra. A influencia aos intelectuais da semana de 22 esta no verso, “alegria é a prova dos nove” retirada do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade. Em “Lindonéia”, de Caetano Veloso, canção feita a pedido de Nara Leão, inspirada num quadro de Rubens Gershman, temos um bolero com uma letra pessimista e não convencional, aliás, desconstruir o formal era uma das características do grupo, onde não faltavam imagens como, policiais, sangue e cachorros mortos nas ruas despedaçados e atropelados.

Em meio a tudo isso acrescente-se um jantar ao vivo em “Panis et circenses” incluindo na Música a simulação de um disco interrompido no toca discos, dando um efeito muito interessante e que deve ter assustado muita gente, uma poesia concreta em “Bat macumba” e a celebração final com o “Hino ao Senhor do Bonfim”.

A capa foi realizada em São Paulo na casa do fotógrafo Oliver Perroy que fazia trabalhos para a Editora Abril e a sua criação foi coletiva, todos davam sua opinião e no final um resultado característico daqueles tempos de “underground” a la Andy Warrol, com pitadas tropicalistas tupiniquins como o terno e a valise de Tom Zé, o penico nas mãos de Rogério Duprat segurando como se fosse uma xícara, o Sgt. Pepper, Gilberto Gil, a saia e o penteado caipira de Gal Costa, o retrato de formatura do curso normal de Capinan, a seriedade dos Mutantes, ou será os The Mammas & the Papas? A boina de Torquato Neto e o rosto solitário de Caetano segurando o retrato de Nara Leão. Na contra-capa o texto de um suposto roteiro cinematográfico escrito por Caetano Veloso onde os personagens são os próprios tropicalistas travando um diálogo confuso e irreverente que mistura Celly Campelo, Pixinguinha, Jefferson Airplane, a maçã, butique dos Beatles e João Gilberto.

Um disco verde amarelo, tropical, revolucionário, brasileiro, universal e eterno, que vale a pena ser escutado.

Comentários

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comente e Compartilhe nas Redes Sociais!